Por Arthur Kowarski
Enquanto o imbróglio do asfaltamento ainda continua na Justiça Federal, Lula anuncia que a pavimentação de 20 km da BR-319 será iniciada em breve.
Neste momento, quase 400 km de rodovia, no meio da Floresta Amazônica, ainda não estão asfaltadas, quando uma seca severa compromete a navegação no Rio Madeira, o que faz com que a BR-319 se torne a única alternativa de transporte na região que vai de Manaus a Porto Velho. Se as chuvas voltarem fortes nos próximos meses, o volume no rio pode crescer favorecendo sua navegação, por outro lado, a força das águas pode tornar a BR-319 intransitável por causa da lama. Um problema crônico da rodovia desde sua abertura na década de 1970.
Na Justiça, os que são a favor da pavimentação ainda não tem decisão favorável. Após ação de uma ONG, uma juíza de 1ª Instância embargou as obras, questionando a licença ambiental concedida em 2022, no governo Bolsonaro. O atual governo recorreu, mas o TRF-1 manteve a decisão, negando a liminar apresentada pela AGU. Em resposta, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) apresentou o Estudo de Impacto Ambiental no dia 14 de setembro.
Dentro do governo, a ministra Marina Silva parte para o ataque contra as obras, afirmando que, para que a BR-319 seja asfaltada, serão necessários ainda “muitos estudos ambientais, com bases em dados e evidências científicas”. Tomando partido dos autores da ação que interromperam as obras, a ONG Observatório do Clima,critica a licença ambiental do governo anterior, “por não levar em conta a posição dos técnicos”. Marina manifestou-se assim depois de Lula se colocar a favor da reconstrução da rodovia.
À primeira vista, Lula pode parecer que se coloca numa posição de mediador entre setores diferentes de seu governo, representados nos diferentes ministérios. Renan Filho, titular da pasta dos Transportes, demonstra iniciativa em tocar as obras, enquanto o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA) faz oposição direta. No cômputo, Renan vocaliza os interesses locais, com representação no Congresso Nacional, enquanto o ambientalismo tem ressonância nos grandes centros urbanos e obedece a agendas políticas consolidadas fora do país. A retomada das obras da BR-319, ainda que sejam apenas de 20 km de estrada, viraram assunto debatido nas mídias estrangeiras.
Contudo, Lula parece não se engajar para que o asfaltamento da rodovia figure como uma grande obra realizada em seu terceiro mandato, apesar do lançamento de seu PAC no ano passado. Ao anunciar a participação de vários órgãos de governo no planejamento e execução das obras, inclui diversos ministérios no projeto, o que pode muito bem funcionar como mecanismo de obstrução e burocratização, ao envolver agentes públicos com diferentes visões e procedimentos quanto a realização do projeto.
A lei obriga que qualquer obra de infraestrutura necessita de um estudo de impacto ambiental, o que não causa controvérsia, mas para a execução das obras é preciso de agilidade, preferencialmente que a execução e coordenação dos projetos fique restrita a um ou poucos ministérios. Foi dessa maneira que Juscelino Kubitschek construiu Brasília em apenas cinco anos, ainda que a estrutura do Estado brasileiro, em seus órgãos de planejamento, execução e controle, em termos administrativos, fosse muito mais precária do que é hoje. Mas se a execução da construção da capital federal tivesse que passar pela mesmos entraves burocráticos, talvez Brasília não estivesse pronta até hoje.
Nesse sentido, é mister recuperar uma proposta que Aldo Rebelo, ainda ministro, apresentou a Lula em seu primeiro mandato: obras vitais de infraestrutura do governo federal, como são as da BR-319, em um país com sérios problemas de logística, devem estar protegidas de pressões de instâncias inferiores do Ministério Público e do Judiciário, cabendo ações apenas do Procurador Geral da República a serem julgadas pelo STF.
No mais, Lula parece jogar para a plateia, comprometendo-se em palavra nas obras, mas, na prática, fazendo pouco para que elas se concretizem. Situação parecida com o que está acontecendo com a iniciativa de exploração de petróleo na Margem Equatorial, ao deixar a critério do MMA quando serão dadas as licenças para exploração para a Petrobras.
Ao invés de procurar resolver as crises em seu governo, Lula prefere empurrar com a barriga, deixando o lado mais forte prevalecer nas disputas. Como há pressão de fora – leia-se EUA e Europa – para que o governo brasileiro mantenha uma política “santuarista”, de construir o mínimo de infraestrutura o possível na Amazônia, a tendência é que Marina e seus ambientalistas continuem dando as cartas. Assim, apesar de suas palavras ao vento, tal como Pôncio Pilatos, Lula vai lavar as mãos.
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Foto: Anderson Cardoso
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