O estranho conceito de Bacia da Foz

O estranho conceito de Bacia da Foz
19/06/2024 por David Pfaltzgraapf

"Bacia da Foz do Amazonas": expressão confusa, mas conveniente para uma campanha contra a exploração de petróleo na costa brasileira

Conversava outro dia com um antigo membro do Greenpeace. Conversa vai, conversa vem, ele mencionou a “exploração do petróleo na Bacia da Foz”. Há alguns anos, embora não mais do que alguns anos, leio manchetes acerca das aspirações da Petrobrás de explorar o petróleo que estaria na “Bacia da Foz do Amazonas”. Mas ouvir de meu amigo a abreviação para “Bacia da Foz” me gerou uma estranheza conceitual que me levou a uma descoberta.

Tendo estudado Hidrografia no ensino médio e também no ensino superior, não me ocorreu que jamais tenha lido que a foz de um rio tivesse uma bacia própria. Temos, de certo, uma bacia hidrográfica a qual cada rio pertence, sendo a do Amazonas a mais rica em água doce do mundo, um patrimônio impressionante. Por um segundo, me ocorreu a dúvida se, dada a magnitude desse rio, de seu delta e de sua imensa foz, a Hidrografia não teria cunhado um conceito peculiar para estudar esse fenômeno, uma bacia inteira apenas daquela foz, com ecossistema e geografia específicas da região.

Resolvi contatar um amigo que leciona Geografia em uma das melhores universidades do país, e sua reação inicial foi também de estranheza com o conceito de “bacia da foz”. Consultando um terceiro colega, logo veio o esclarecimento por mensagem no celular: “Oi, kkk [risos], é a Bacia Sedimentar da foz do Amazonas, Bacia Sedimentar X Bacia Hidrográfica. Exemplo: Bacia Sedimentar do Paraná, Bacia de Santos”.

Por óbvio! Nossa “visão de túnel” nos havia prendido à Hidrografia, e esquecemos da Geologia. A Bacia Sedimentar de Santos, por exemplo, maior produtora de petróleo do país, cujos Campos de exploração começam ali a uns 140 km da costa, é uma formação geológica onde exploramos já desde as aguas rasas, de maneira segura, o petróleo e o gás. O petróleo da Bacia Sedimentar da Foz do Amazonas (que, diga-se de passagem, poderia ter sido batizada com um nome que sequer mencionasse o Amazonas, ou qualquer rio, ou qualquer conceito de Hidrografia; poderia se chamar Bacia Sedimentar do Amapá) encontra-se a, pasmem, 500km da foz do Rio Amazonas, em águas ultra profundas, próximo ao limite mais externo do que foi batizado de Bacia Sedimentar da Foz do Amazonas.

Na imprensa, o primeiro dos termos a cair do nome de nossa Bacia Sedimentar foi “sedimentar”. Por que gastar tinta e ocupar o leitor com termos técnicos, não é mesmo? Mas ao contrário da Bacia Sedimentar do Ceará, da Bacia Sedimentar do Espírito Santo, da Bacia Sedimentar de Barreirinhas, da Bacia Sedimentar do Pará-Maranhão, da Bacia Sedimentar de Pelotas, da Bacia Sedimentar Potiguar, da Bacia Sedimentar de Santos e outras, seu nome faz referência direta a um rio, e mais especificamente, à sua foz. Os cientistas que a batizaram talvez não tivessem ciência do uso político que seria feito de seu nome e da confusão que sua abreviação criaria.

Curiosamente, o segundo termo a fugir da atenção das manchetes foi o de “Amazonas”. Por que não chamar essa Bacia de Bacia Sedimentar do Amazonas? A referência ao rio ainda estaria lá, e por certo as bilhões de toneladas de sedimentos que vários rios e outros fenômenos naturais lançam na plataforma continental brasileira não vêm apenas da região das fozes dos rios que ali estão. Essa descoberta, contudo, de que “Bacia da Foz” é como ambientalistas e jornalistas carinhosamente chamam a região onde será explorado o petróleo, a 500km da tal foz.

Esse patrimônio será explorado. Falo por desejo, pois não posso acreditar que o país abrirá mão de uma riqueza que pode causar uma melhoria drástica na qualidade de vida de milhões de amazônidas, enquanto a Exxonmobil e outras exploram petróleo pertinho da Floresta Amazônica, na costa do Suriname e da Guiana.

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