Barão de Mauá, a Amazônia e a integração nacional

Barão de Mauá, a Amazônia e a integração nacional
27/07/2024 por Editorial

Exemplo de como empresários podem servir aos interesses nacionais, o Barão de Mauá foi o agente da iniciativa privada que permitiu ao Estado brasileiro assegurar o território, o povoamento e o desenvolvimento da região amazônica

por João Sousa

Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido pelo seu título de Barão de Mauá, é considerado o maior empresário da época do Império do Brasil e um homem cujas ideias e ações se distanciavam do senso comum das elites burocráticas de seu tempo. Infelizmente, assim como outras grandes figuras do passado (não tão distante) do Brasil, o Barão de Mauá é sumariamente esquecido — ou pior, utilizado como um exemplo remoto do descarado mito de “selfmade man” tupiniquim contra o Estado brasileiro —, e com ele, lições valiosíssimas sobre o tipo de empresariado ou “cultura empresarial” do Brasil. Irineu Evangelista de Sousa, como lembrado por Jorge Caldeira, foi o empresário do Império, não somente por ser o principal homem de negócios de sua época, mas também pela sua enorme importância no desenvolvimento industrial do Brasil — e na garantia de sua soberania territorial como veremos nesse texto.

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O Barão de Mauá em litogravura de Brito & Braga. Domínio público, Fundação Biblioteca Nacional

Breve biografia

Irineu Evangelista de Sousa, nascido na vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio Grande, no interior do atual estado do Rio Grande do Sul no final de 1813, ainda em sua juventude foi levado sozinho ao Rio de Janeiro por um tio que trabalhava na marinha mercante, devido à morte de seu pai. Na capital do Brasil Independente, trabalhou com um comerciante português em troca de casa, comida e aprendizado e depois foi contratado pelo seu mestre Richard Carruthers, negociante escocês próspero na área de importações e exportações na Praça do Comércio. 

Aos 27 anos, Mauá, sócio proprietário da Carruthers & Bros e já bem estabelecido junto à sua família no Rio de Janeiro, rumou em direção a Londres, o centro financeiro do mundo à época. Durante sua viagem, Mauá conheceu um mundo de máquinas, massas de operários, alta urbanização e, principalmente, o enorme fluxo de capital que corria por Londres. Em terras britânicas, então, suas ideias liberais e de um futuro próspero de um Brasil industrial e de homens livres ganharam sobrevida e em seu retorno ao país, trouxe consigo não somente maquinário, mas projetos que viriam a se tornar realidade num Brasil orientado à exportação de commodities agrícolas e sustentado pelo trabalho escravo.

Todavia, no decorrer de sua vida, o Barão de Mauá viria a se frustrar não somente com a classe dominante do Brasil, aversa ao trabalho manual, anti-abolicionista e orientada pelo tradicionalismo burocrático português, mas também veria suas empresas serem fortemente atacadas pelo capital externo, ironicamente, inglês. Porém, esses assuntos serão mais bem abordados em futuros textos da série sobre a vida do Barão de Mauá no Ação Amazônia. Por ora, cabe relatar um caso histórico em que Mauá fora convocado diretamente por Dom Pedro II a defender os interesses nacionais e a soberania na região amazônica, não curiosamente um dos principais temas vitais de segurança e desenvolvimento nacional até os dias atuais.

Desde o Tratado de Tordesilhas, a navegação da bacia amazônica é alvo de disputas entre os projetos coloniais de Espanha e Portugal. Todavia, no Brasil Independente do século XIX, outros atores internacionais, Inglaterra, Estados Unidos e França passam a enviar incursões à região devido à pouca fiscalização e parco povoamento de nacionais brasileiros por seu território. Perder tal região também afetaria diretamente a unidade do Império do Brasil, haja vista que na época havia diversas frentes de fragmentação do território brasileiro. Dentre os motivos para a dificuldade de me manter a ordem e a unidade nacional estavam a dificuldade de transporte terrestre do país, a concentração demográfica no litoral e a estrutura econômica de agroexportação. Vale dizer que a trinca de motivos é interligada entre si.

Desse modo, diferente dos EUA, onde houve a implementação de vasta malha ferroviária que canalizava a extração de recursos e a atividade produtiva do país, além de provocar a interiorização de seu território, no Brasil as dificuldades de transporte, a orientação econômica extrativista e à terra agricultável próxima às regiões litorais voltadas ao mercado externo, uma vez que o mercado interno era pequeno para os itens cultivados nos grandes latifúndios, como café e açúcar. Assim sendo, o parlamento imperial diante de ameaças na região amazônica, passou a concentrar esforços para revolver o impasse. E dentro das ações fundamentais a serem tomadas estava o povoamento urgente da região, como aponta o historiador Vitor Marcos Gregório:

“Sua situação de quase absoluto despovoamento, conjugada com o fato de que os principais centros políticos e econômicos do Império estavam localizados a milhares de quilômetros de Belém, a principal cidade amazônica na época, tornava necessária a formulação e a adoção de medidas que fortalecessem a influência do novo regime na região. Entre essas medidas, a introdução da navegação a vapor no rio Amazonas e nos principais afluentes surgia como uma das mais importantes, por impulsionar, simultaneamente, tanto o povoamento quanto o desenvolvimento econômico de todo o território localizado às suas margens. (2009, p. 186)”

Contudo, o Estado brasileiro não possuía capital suficiente para empreender na navegação da região e muito menos estava disposto a recorrer ao capital externo, o que seria contraproducente para garantir sua soberania territorial, ainda mais ao se considerar que os principais donos de capital à época eram justamente os mesmos interessados na exploração livre das riquezas do Brasil na região.

A questão estrangeira

Durante o período colonial, fora acordado que ficava sob responsabilidade do país detentor das margens dos rios decidir sobre sua navegação e, assim, com a assinatura do Tratado de Madrid, Portugal manteve fechada a navegação pelo Amazonas, com o objetivo de proteger navegação fluvial por outras potências europeias. 

Todavia, já no início do século XIX, era dos novos navios movidos à vapor cuja tecnologia permitia viagens mais rápidas, havia o primeiro projeto de navegação da região amazônica, introduzido por uma companhia de Nova York em 1826, a Amazon Steam Navigation Company. A companhia em questão, rogava a permissão de transitar pelas rotas fluviais da região amazônica, a qual foi garantida pelo ministro Silvestre Rebello, mas o navio da companhia foi negado de transitar pelo território do Pará, uma vez que o acordo foi rejeitado pelo parlamento imperial. E vale dizer que o governo brasileiro teve que pagar uma indenização anos depois...

“Segundo essa concepção, a navegação a vapor era defendida unanimemente como algo positivo para a região norte do País, desde que praticada sem interferência de capitais estrangeiros, entendidos como prejudiciais a interesses estratégicos brasileiros. Estes diziam respeito à manutenção da soberania brasileira sobre a Amazônia, território de grande potencial econômico, que, por isso mesmo, despertava a cobiça das principais potências da época” (GREGORIO, 2009, p. 188).”

Nessa mesma época, uma das grandes figuras a favor da internacionalização da Amazônia foi o oficial da marinha dos EUA, Mattew Fontaine Maury, o qual afirmava ser direito da humanidade a exploração das riquezas naturais da região amazônica, uma vez que o Brasil seria incapaz de explorar e gozar da riqueza nativa, além de defender a colonização do território pelos EUA com a finalidade de expatriação dos negros recém libertos do pós-Guerra Civil dos Estados Unidos. 

Nota-se que a questão da internacionalização da Amazônia não é recente e tem sido algo inerente à questão de segurança nacional desde o período colonial até os dias atuais. Em especial, a aversão ao expansionismo dos EUA foi apontada até mesmo por Dom Pedro II: “[...]quanto ao Amazonas sempre tive receio dos Estados Unidos cujas relações suplantariam as de outras potências[...]”. Mas além dos EUA, as posições de Inglaterra e França, por meio das guianas, também eram entendidas como ameaças devido a proximidade com as rotas fluviais da bacia amazônica.

A Cia de Navegação do Amazonas

Como medida de solução aos temores de perda da bacia amazônica a potências invasoras, o parlamento decidiu por se utilizar de uma companhia de navegação à vapor a fim de iniciar o processo de povoamento agudo do território da bacia. Todavia, restava a dúvida de como se financiaria o grande empreendimento o qual exigiria considerável volume de capital.

“Foi preciso, pois, que o governo interviesse diretamente no negócio. O ministro do Império e presidente do Conselho, José da Costa Carvalho, marquês de Monte Alegre, instou o seu "amigo pessoal", o Visconde de Mauá, "cidadão que, nas palavras de Lopes Gama, tantas provas têm dado do seu gênio para tais empresas", para que se encarregasse deste empreendimento. Em troca, era-lhe oferecido o privilégio da navegação do Amazonas e seus afluentes por trinta anos (EL-KAREH, 2003, p.14)”

Dessa maneira, a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas foi criada através de contrato formalizado entre Mauá e o governo imperial, oficializado através do Decreto no 1.037, de 30 de agosto de 1852 e começou as suas atividades em 1853 com duas linhas: Belém-Barra do Rio Negro e Nauta-Peru. Na época, Mauá já tinha se notabilizado e consolidado como o industrial do Brasil por conta da casa de fundição e estaleiro Ponta da Areia e pelas suas iniciativas da Estrada de Ferro Mauá, a primeira ferrovia brasileira.

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A fundição e o estaleiro de Ponta da Areia, em Niterói: empreendimento iniciado em 1846 e tido como pioneiro na industrialização do Brasil. Litogravura aquarelada de P. G. Bertichem, 1857. Domínio público, Fundação Biblioteca Nacional

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Cerimônia de lançamento da pedra fundamental da primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro Mauá. Óleo sobre tela, Coleção Geyer, c. 1852. Uso amparado pela Lei 9610/98, Museu Imperial

Conforme o disposto no decreto, Mauá teria direito à “subvenção pecuniária mensal”, isto é, subsídio, “acrescida de um privilégio de exclusividade na realização da empresa que deveria vigorar pelos próximos trinta anos”. Lê-se como monopólio de 30 anos — uma concessão. Entretanto, ainda em 1853 o decreto fora alvo de discussão por legisladores alegando que seria um entrave à livre concorrência e à criação de novas empresas nacionais que viessem a se interessar por empreender na região. Assim, em pouco tempo, a companhia passou de heroína nacional a obstáculo de desenvolvimento da região.

Os debates daquele período, década de 1850, mostram duas tendências distintas, como nos anos anteriores. A primeira, de caráter mais liberal, defendia o livre mercado e a concorrência, inclusive entre empresas fundadas com capital estrangeiro. A segunda tendência temia a perda de soberania nacional sobre a Região Amazônica, caso companhias estrangeiras fossem autorizadas a operar navios nos rios da região. Esta última tendência predominava na década de 1850, ainda sob o temor de invasões estrangeiras. No entanto, na década de 1860, o aumento da navegação e o sucesso das operações comerciais e de transporte pelos rios da Bacia Amazônica contribuíram para a liberalização no pensamento de muitos legisladores brasileiros.

Capital Nacional vs. Capital Internacional e considerações finais

Com o notável sucesso da empresa de Mauá, as discussões na Câmara e no Senado resultaram na promulgação dos Decretos no 3.749, de 7 de dezembro de 1866 e no 3.920, de 31 de julho de 1867, os quais abriram o Rio Amazonas à navegação internacional, o que levou Mauá a encerrar as operações da Companhia devido a impossibilidade de concorrência com o capital estrangeiro muito mais desenvolvido do que o do Brasil à época. Desse modo, a indústria de navegação à vapor brasileira, a qual empregava mão de obra assalariada num país ainda escravista, viu o seu fim devido justamente aos ideais liberais que Mauá aprendera com seu mestre escocês Carruthers. Como alternativa, Irineu de Sousa desfez seus investimentos na Amazônia e transferiu seu capital a uma empresa offshore, Amazon Steam Ship Navigation Company Limited, com sede em Londres, a qual prontamente vendeu a investidores ingleses.

Albuquerque, Luiz R. Cavalcanti (Luiz Rodolpho Cavalcanti), 1847-1915. Mappa da Amazonia [Cartográfico]: demonstrando a navegação regular a vapor. Imprenta Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, [1894]. Acervo Digital da Biblioteca Nacional.

Outrossim, o Barão de Mauá foi o agente da iniciativa privada que permitiu ao Império assegurar o território, o povoamento e o desenvolvimento da região amazônica através do empreendimento de fôlego e alto capital da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, numa época em que a indústria brasileira nem sequer era pauta nacional e cujo Imperador ainda mantinha relações de dependência para com o capital inglês devido a relação herdada dos tempos da aliança de Portugal e Inglaterra, potencializadas no contexto das Guerras Napoleônicas. Herança nefasta, vale mencionar, por influenciar diretamente nas decisões econômicas do Brasil Independente e impedir o florescimento da indústria brasileira pelas “mãos” de um cidadão formado pela escola inglesa de comércio, de ideias humanistas e liberais. 

O estudo da vida e obra de Irineu Evangelista de Sousa se faz extremamente necessária, pois é repleta de exemplos históricos sobre a dependência brasileira em relação ao capital estrangeiro, e demonstra o quão dialético e contraditório foram os esforços de industrialização desde a época do Império e o como estão relacionados intrinsicamente com as relações das elites nacionais com as internacionais, em geral em prejuízo dos anseios populares internos.

Muitas vezes Dom Pedro II e Barão de Mauá são encarados como antagonistas, seja na época em que viveram, seja na historiografia. Entretanto, mais do que uma disputa entre um imperador filósofo, que só pensava “nos estudos elevados e nas belas artes” e o empresário gaúcho, de origem humilde, que buscava erguer a indústria brasileira com base na escola inglesa, ambos eram homens de seu tempo e estavam inseridos no grande teatro das disputas das elites regionais – sendo estas ligadas aos mercados externos por conta da orientação à exportação. Dessa forma, o Imperador viria a ser deposto e o já Visconde viria a se exilar no Uruguai, como vomitados pelas próprias elites, as quais possuíam interesses divergentes.

Já que tanto se falou sobre a Inglaterra nesse texto, vale citar o pensador britânico, Edmund Burke, cuja frase a seguir inspirou a iniciativa dessa série sobre a vida de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá: 

“Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la.”

Crítica | Fitzcarraldo - Plano Crítico

Cena do filme “Fitzcarraldo” de Werner Herzog - 1982


Fontes

BESOUCHET, L. Mauá e seu tempo. Editora Nova Fronteira, 1978.

‌BRAGANÇA, P. O. (D. Pedro II, Imperador do Brasil). Diário de 1862, separata do Anuário do Museu Imperial, v. 17, Petrópolis, 195.

CALDEIRA, J. Mauá. Empresário do Império. Companhia Das Letras, 1995.

EL-KAREH, A.C. A companhia de navegação e comércio do Amazonas e a defesa da Amazônia brasileira: “O imaginado grande banquete comercial”. Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica. Rio de Janeiro, 2003. Acesso em 26 de jul. 2024

GREGÓRIO, V. M. O progresso a vapor: navegação e desenvolvimento na Amazônia do século XIX. Nova Economia, Belo Horizonte, v.19, n.1, p. 185-212, 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/neco/v19n1/08.pdf> Acesso em 26 de jul. 2024

HAAG, C. O dia em que o Brasil disse não aos Estados Unidos. Pesquisa Fapesp, São Paulo, v 156, p. 80-86, 2009. Disponível em <http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2009/02/80- 85156.pdf?f1fdf2> Acesso em 26 de jul. 2024.

MULTIRIO. Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá Disponível em: https://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/historia-do-brasil/brasil-monarquico/8973-irineu-evangelista-de-souza,-o-bar%C3%A3o-de-mau%C3%A1 Acesso em 27 de jul. 2024

SOUSA, I. E. Autobiografia. Edições do Senado Federal, Volume 148, 2011.

João Eduardo do Rosário M. B. Sousa. Nascido em São Félix, Bahia, João Sousa é graduando no Instituto de Relações Internacionais na USP, pesquisador e entusiasta sobre a história do desenvolvimento econômico e industrial do Brasil. Atualmente trabalha no Mercado Financeiro na área de Câmbio e Derivativos.

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