Em inglês, a palavra “Watch” está associada ao verbo “ver”, “observar” e também significa “vigiar”. É nesse sentido de “vigiar”, “cuidar”, “observar para guardar”, que devemos entender o nome da ONG “Amazon Watch”. Uma organização baseada em Oakland, na Califórnia, nos Estados Unidos, que chama para si a responsabilidade de “vigiar e proteger” a floresta amazônica em toda América do Sul. Até na sua declaração de imposto de renda — norte-americana, claro — a organização diz que sua finalidade é “proteger a floresta e avançar os direitos dos povos indígenas na bacia amazônica”.
Sua atuação se estende pelo Brasil, Equador, Peru e Colômbia, mas sua sede é em Oakland, no estado da Califórnia (Estados Unidos). “A expertise única da Amazon Watch é a combinação de experiência em campo e relacionamentos de longo prazo com líderes e comunidades indígenas, com relatórios profundos e campanhas de mídia no Norte Global”, diz a apresentação da organização em seu portal.
No momento, a organização procura alguém para a vaga de “Assessor de Campanha no Brasil” para atuar em questões relativas à mineração, “contratado por tempo integral para desenvolver e implementar estratégias de campanhas corporativas e de advocacy e mobilizar parceiros, aliados e a sociedade civil”. A pessoa deve ser fluente na língua inglesa e portuguesa, e “trabalhará para influenciar atores do mercado global a mitigar a crise socioambiental do país e responsabilizar empresas, governos e autoridades pela proteção da floresta tropical e de seus povos”.
A Amazon Watch lista seus pilares estratégicos: “desafiar projetos de desenvolvimento desastrosos” na área de petróleo, mineração, hidrelétricas e estradas, “defender soberania indígena” e se juntar ao “movimento da justiça climática”.
O básico de uma ONG de ativismo ambiental: eles pagam profissionais para atuarem na política através de campanhas de publicidade e influência, bem como para articular ativistas menores, distribuir recursos e preparar eventos. Criando uma rede de contatos e manejando os recursos da instituição, o quadro vira um articulador e fomentador do movimento; no caso, um orquestrador de um movimento internacional contra a mineração no Brasil. Não um “cidadão preocupado”, mas um profissional pago com 3200 dólares mensais para combater o setor, respondendo aos seus chefes que estão em um escritório em Oakland, manejando milhões de dólares de onde sai a parte do seu salário e dos recursos que ele vai empregar para buscar o objetivo do seu cargo.
Aqui não estamos falando apenas do básico, mas de uma peça-chave do complexo da militância ambientalista internacional. Através do seu “Fundo dos Defensores da Amazônia”, a organização diz “apoiar os povos da Amazônia” e “iniciativas de organizações de base”. Os fundos são distribuídos entre movimentos militantes, em especial “lideranças indígenas”, e fornece atenção especial para a estrutura jurídica das organizações apoiadas. No Brasil, sua principal frente é a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).Em janeiro de 2024, a Amazon Watch fez um apanhado dos principais projetos apoiados pelo seu fundo, citando a APIB em primeiro lugar como beneficiária de um financiamento para o fortalecimento de seu departamento legal, citando especialmente a “luta legal contra o Marco Temporal”. A Amazon Watch preparou uma campanha dedicada ao combate do PL490. A ONG também usa seu dinheiro para formar uma delegação para pautar a COP28.
Em 2014, o portal da Amazon Watch publicou um perfil muito positivo de Sonia Guajajara, que era então coordenadora nacional da APIB e hoje ocupa um cargo nacional no governo Lula como ministra dos povos indígenas. O contexto da publicação era uma turnê de Sonia pela Europa: “Esta semana ela traz esta luta a um público europeu crescente, onde falará nas Nações Unidas em Genebra e liderará uma série de eventos públicos em Paris”, diz a organização, que emenda que a “Amazon Watch tem orgulho de acompanhar os esforços corajosos de Sônia na Europa e trará atualizações ao vivo e histórias das atividades de sua delegação lá”. O texto também estabelece que os adversários de Sonia Guajajara são os representantes do “Brasil ruralista”. A turnê de Sonia Guajajara pela Europa em 2014 tinha como uma das pautas centrais a tentativa de obstruir a construção da usina de Belo Monte. Em outro texto do portal, a Amazon Watch diz que “a visita de Sonia à Europa foi coordenada por Amazon Watch, França Libertés e Planète Amazone”(sic).
O tom da organização no ano de 2014 era crítico ao governo petista de Dilma Rousseff, mas hoje, dez anos depois, a Amazon Watch vê o governo Lula III com bons olhos, o que passa, é claro, pela sua apreciação da presença de Sonia Guajajara. Em 2022, ano da eleição presidencial, a Amazon Watch fez uma grande campanha junto da APIB contra a mineração, que contou com Sonia Guajajara como porta-voz principal. No dia 5 de janeiro de 2023, o portal da ONG publicou um texto triunfal sobre o ritual da posse de Luiz Inácio: “nunca mais sem nós!”, diz o título. No relatório anual publicado em 2023, a organização diz que Sonia Guajajara é “aliada de longa data” e que assumiu o novo ministério dos povos indígenas, citando ainda que a Amazon Watch participou do “monitoramento e marcação de limites” de duas terras indígenas, além do trabalho de formação de delegações para eventos, apoio legal, midiático e técnico para indigenistas. Dentre outras ações, a ONG participou da organização do “Acampamento pela Vida” em agosto de 2021, grande acampamento político “contra o Marco Temporal”, com destaque para as participações de Sonia Guajajara e do advogado Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da APIB. Eloy Terena foi figura importante na campanha da Amazon Watch “Cumplicity in Destruction”, dirigida contra o setor de mineração e suas fontes de financiamento. Com a ascensão de Sonia Guajajara, Eloy Terena foi nomeado secretário-executivo no Ministério dos Povos Indígenas.
Basta visitar o portal da Amazon Watch para perceber que eles preparam a campanha de mídia da APIB contra o Marco Temporal. A organização também consta como apoiadora Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), outra organização ligada com a história de Sonia Guajajara.
Terena com material em inglês da campanha "Cumplicidade na Destruição" / Foto da Amazon Watch, reprodução para fins informativos.
A ONG também se autodeclara “aliada de longa data do povo Munduruku” e realizou o processo de seleção das terras reivindicadas como a “terra indígena Sawré Muybu”. Neste momento conduzem uma campanha de pressão pelo reconhecimento oficial do Estado brasileiro. Neste outubro, celebraram a assinatura de portarias que vão nessa direção pelo ministro Ricardo Lewandowski.
A atividade de conectar seus patrocinados com pessoas poderosas — aqui entram termos em inglês como lobby ou o mais pretensioso advocacy — ou usar recursos econômicos para pressionar as empresas e autoridades é uma das especialidades da Amazon Watch. Com frequência a ONG coordena suas ações com outras organizações, como por exemplo o Greenpeace e a Robert F. Kennedy Human Rights.
Em sua campanha internacional contra o Marco Temporal, a Amazon Watch articulou o envio de uma carta para o Relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos e as liberdades fundamentais dos povos indígenas e solicitou uma reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). No dia 26 de outubro de 2022, foi realizada uma audiência pública da CIDH solicitada pela Amazon Watch junto da ONG Terra de Direitos, da COIAB, da APIB e da Washington’s Brasil Office, dentre outras ONGs. Na audiência, falou Maurício Serpa França (“Maurício Terena”), coordenador jurídico da APIB, que enquadra o confronto com o Marco Temporal como um “litígio climático”.
A Amazon Watch já fez outras petições na CIDH, em especial sobre o Peru e a Colômbia. O destaque das petições colombianas bancadas pela Amazon Watch é que, apesar delas terem como motivo episódios de violência ligados aos conflitos armados no país, é que elas também se concentram na oposição à novas concessões de petróleo e mineração naquele país.
No ano de 2021, a organização celebrou triunfante que “Biden ouviu a sociedade civil e escolheu a Amazônia” ao invés de Jair Bolsonaro, então presidente do Brasil, explicando que realizaram uma campanha internacional de pressão mobilizando diversos atores para mandar uma mensagem para o presidente dos Estados Unidos e este não assinasse qualquer acordo com o Brasil durante a cúpula do clima. Apesar da vitória, a declaração estabelece a expectativa de que Biden usasse seu poder para pressionar o Brasil em nome de manter o papel de liderança dos Estados Unidos na questão climática.
Na COP28 (Dubai, 2023), a Amazon Watch declara que “acompanhou e apoiou” as delegações formadas pela APIB, COIAB e UMIAB. Entre as figuras destacadas pelo Amazon Watch temos a diretora do programa brasileiro da organização, Paula Vargas, a ministra Sonia Guajajara, a deputada federal Celia Xakriaba (PSOL - MG), Puyr Tembe (secretário de povos indígenas do estado do Pará), os coordenadores executivos da APIB Dinamam Tuxá e Kleber Karapiuna, a coordenadora geral da COIAB, Toya Manchineri, Mariazinha Baré da APIAM (Associação dos Povos Indígenas do AM), a coordenadora executiva da ANMIGA (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade), Braulina Baniwa, e Beka Saw Munduruku. A Amazon Watch organizou conferências de imprensa e eventos dentro da agenda COP com a participação dessas pessoas.
Durante a COP em Dubai, a Amazon Watch lançou o Planet Caucus com a liderança da deputada Celia Xakriaba, que pretende preparar um agrupamento internacional de “parlamentares contra as mudanças climáticas” para a COP30 a ser realizada 2025 em Belém do Pará. Também foi realizado, no dia 5 de dezembro, um “lançamento nacional” do mesmo movimento, com a presença de Celia Xakiraba e da ministra Sonia Guajajara . No dia 3 de dezembro, a ONG também organizou um painel voltado para a “luta das mulheres” na COP30, com Braulina Baniwa, Lucimara Patté e Shirley Krenak. No dia 8 de dezembro, outro painel da Amazon Watch foi um “chamado de luta das mulheres indígenas” contra a “destruição da mineração e do agronegócio”, com Sonia Guajajara, Celia Xakriabá, Puyr Tembé e Braulina Baniwa. No dia 4 de dezembro, um painel baseado no projeto de artistas da Amazon Watch, Artists for Amazonia (AFA), com a participação de Paula Vargas, Puyr Tembe e diretor Edivan Guajajara.
Em 2022 a Amazon Watch coordenou uma série de ações contra a empresa Petroperu, começando pela publicação de um relatório investigativo, a organização de uma “coalizão de pescadores e indígenas” e enviando uma delegação destes ativistas peruanos para se encontrar com o Deutsche Bank na Alemanha, além de cumprir agendas com a “sociedade civil europeia” em outros países. As ações fizeram parte de uma campanha mais ampla contra a exploração de combustíveis fósseis; neste ano, uma delegação peruana foi levada aos Estados Unidos pela Amazon Watch, tendo como centro de sua agenda o encontro com representantes dos bancos JPMorgan Chase, Goldman Sachs e Citi. Neste momento, a Amazon Watch também participou da preparação de uma delegação de militantes peruanos na Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Crime Organizado Transnacional (COP12) e de uma delegação multinacional de militantes para participar da COP16 da biodiversidade, em Cali, na Colômbia.
É possível que a Amazon Watch tenha cumprido um papel no envio da carta da APIB, assinada por Sonia Guajajara, para o governo dos Estados Unidos em 2021, onde pedia um “canal direto de comunicação” com John Biden a respeito da Amazônia.
LEIA TAMBÉM - Monitor das ONGs: a Fundação Luterana Diaconia
No complexo de interesses que forma o sistema de ONGs, a Amazon Watch serve como um ponto importante de entrada e saída de recursos financeiros. O seu próprio funcionamento depende de orçamentos anuais milionários. De acordo com a declaração da organização para o IRS, no ano fiscal de 2023 suas operações custaram mais de U$ 7 milhões de dólares; 6 milhões teriam sido alocados para “serviços do programa”. Boa parte desse valor é consumido no pagamento de salários e outras compensações para os 25 funcionários da ONG. A diretora-executiva, Leila Salazar-Lopez, recebeu um salário anual de pouco mais de US$ 176 mil, fora compensações no valor de US$ 30 mil. Os outros diretores também receberam salários consideráveis: U$ 156 mil para a diretora de filantropia, Kathleen Lemay, U$ 155 mil para o diretor associado, Paul Paz y Mino, US$ 150 mil para o diretor de finanças, Joseph Kolb,, US$ 147 mil para o diretor de programas, Cristian Poirier (que também foi diretor de programa para o Brasil) e US$ 134 mil para a diretora de recursos humanos, Erica Brown.
Não é tão fácil determinar a média de salários executivos nos Estados Unidos. Normalmente o tema chama mais atenção tendo em conta CEOs de grandes corporações, como aquelas da lista das 500 maiores empresas da Standard & Poor’s, das 300 maiores empresas com ações no mercado público ou das lista de 100 CEOs mais bem pagos da Equilar, que faz uma lista de acordo com a receita das empresas. Nesses casos, estamos falando de compensações milionárias que fazem os salários dos executivos das ONGs parecer pequenos, mas cabe lembrar que estamos falando de verdadeiros gigantes corporativos. A Broadcom, empresa de semicondutores da Califórnia que está no topo da lista da Equilar, paga mais de 60 milhões de compensações para o seu CEO, mas tem uma receita anual de US$ 35,82 bilhões e cerca de 40 mil funcionários. O CEO da Apple, que lidera a S&P 500, também recebeu mais de 60 milhões de salário da gigante do mercado tecnológico, mas a empresa é avaliada em 62 bilhões, tem mais de 160 mil funcionários e vende produtos no mundo todo.
A Amazon Watch só tem 25 funcionários, sua operação no último ano custou US$ $7.165.581 milhões sendo que os rendimentos declarados no último ano foram de US$ 3.586.796 milhões. Os salários não são absurdos se comparados com o universo mais amplo de salários executivos do mercado de trabalho estadunidense, mas estão acima da mediana de US$ 103.840 mil por ano de cargos executivos em geral e acima da média e, no caso da diretora-executiva, acima da média do salário de chefes executivos de governo local, de US$ 156.620 mil.
O que é importante para nós, de toda forma, é que esses executivos recebem seus salários na Califórnia para “proteger a floresta e avançar os direitos dos povos indígenas na bacia amazônica”, ou seja, é uma militância muito bem paga. Devemos nos resguardar da ideia de que essas pessoas só usam as bandeiras para garantir suas vidas e partir do princípio de que existem profissionais muito bem pagos, dedicados exclusivamente à influenciar as nossas políticas para a Amazônia.
Os milhões de dólares não são gastos apenas em salários, mas na sustentação de movimentos políticos no Brasil e de campanhas de comunicação para “parar a mineração”, revisar projetos de lei, convencer a opinião pública e pressionar os mandatários do executivo, legislativo e judiciário. Não podemos deixar de observar, porém, que apesar do orçamento milionário, a seção em português do portal da Amazon Watch tem algumas partes cuja tradução e edição deixam muito a desejar (não queremos perder tempo avaliando a redação da ONG, visto que eles têm condições de pagar alguém para isso, mas aqui temos um exemplo de 2024).Os fundos da Amazon Watch vem de diversas fontes, em especial de outras ONGs e fundações;por exemplo, em novembro de 2019, a Amazon Watch recebeu U$ 75.000 da Rockefeller Brothers A ONG também é patrocinada por empresas diversas, como a companhia de telefonia “progressista” CREDO, o banco ATMOS, a EKO Energy e a cosmética britânica Lush, dentre outras.
Existe uma característica especial da ONG Amazon Watch que pode não se destacar em um contato superficial, mas aparece com um pouco de investigação cuidadosa: uma grande preocupação em se opor a presença econômica dos chineses na América do Sul. Na biografia da diretora executiva Leila Salazar-Lopez no Wikipedia, temos uma lista de três artigos, dois voltados contra a China em nome da causa ambiental. Um deles foi publicado no New York Times em 2017, com um título que diz que um dos grandes produtos de exportação da China é a poluição; o outro foi para o Mercury News. O artigo no Mercury News se resume da seguinte forma: o então governador democrata da Califórnia, Jerry Brown, é um político exemplar em sua luta contra a mudança climática, em especial se comparado com o Trump, e estava correto em visitar a China para conclamar que o país também combata as mudanças climáticas. O problema, porém, é que a China investe no setor petrolífero da Amazônia, em especial do Equador, através da cooperação da PetroChina com a Petroecuador e os empréstimos do Banco de Desenvolvimento Chinês e o Banco de Importação-Exportação da China. A autora lamenta que a Califórnia seja um dos maiores consumidores desse petróleo e que, enquanto o governo Trump não liderasse na questão climática, não seria na China que Jerry Brown encontraria bons aliados para tal tema.
As parcerias da China com o Equador no setor petrolífero foram firmadas pelo governo Rafael Correa a partir de 2010. O setor petrolífero foi fundamental para o financiamento de políticas sociais naquele país. Nosso objetivo primário aqui é introduzir a Amazon Watch para o público brasileiro, mas poderíamos nos estender muito explorando a atuação dedicada desta ONG no Equador. Boa parte da sua existência foi dedicada ao combate da exploração de petróleo naquele país.
O artigo de Leila Salazar-Lopez para o New York Times repete os mesmos argumentos, porém fala de projetos de infraestrutura em toda América do Sul, em geral, citando diretamente um projeto de hidrelétrica na Patagônia argentina (realmente, o compromisso em combater grandes projetos para essa gente vai muito além do espaço amazônico).
O tom preocupado com os investimentos chineses não se restringe ao Equador, como destino, e nem a Salazar-Lopez, como emissora. Christian Poirer, que foi coordenador do programa braisleiro da Amazon Watch durante anos e segue na direção da ONG, também já escreveu que investimentos chineses — citando diretamente o Fundo Brasil-China de Cooperação para a Expansão da Capacidade Produtiva — também podem representar um risco para as florestas no Brasil, caso sejam dirigidos para projetos de mineração, infraestrutura de geração elétrica no estilo Belo Monte ou para o agronegócio; o autor, porém, termina o texto mais “alertando” os chineses do que condenando o país asiático (pelo tom do autor, os maiores vilões, nesse caso, são os ruralistas brasileiros e as ambições desenvolvimentistas nos governos).
A organização já publicou um relatório somente sobre violações de direitos humanos na América Latina que seriam associadas a investimentos chineses. A Amazon Watch faz parte do CICDHA (Coletivo sobre Financiamento e Investimentos Chineses, Direitos Humanos e Ambiente), iniciativa voltada exclusivamente para criticar investimentos chineses em infraestrutura na América Latina e no momento trabalham por sua participação na Revisão Universal Periódica da China em Genebra.
Em 1979, uma banda estadunidense de punk rock — os Dead Kennedys — lançou uma música intitulada “California Über Alles”, alusão irônica ao hino alemão “Deutschland, Deutschland über alles”. Na chave da ironia e do ridículo, a canção fala de um futuro distópico onde o governador da Califórnia Jerry Brown lidera uma ditadura hippie, liberal e progressista. “Você acha que os hippies não voltarão, amoleça seu coração ou você vai pagar”, “fascistas zen vão te controlar; 100% natural”, imagina a música. Jerry Brown, que governava a Califórnia em um mandato que durou de 1975 até 1983, nunca se tornou presidente dos Estados Unidos, mas foi prefeito de Oakland e voltou a ser governador em um mandato que foi de 2011 até 2019, sendo um dos governadores com mais tempo em toda história dos Estados Unidos.
Apesar da ironia, o compositor da canção é um progressista e julgou, em retrospecto, que a piada pode ter sido muito pesada com Jerry Brown, mas se manteve crítico aos governos do Partido Democrata que usam os discursos da moral “boazinha”, que quer “salvar o mundo”, para se meter nos assuntos de outros países. Representantes da geração hippie de fato chegaram ao poder em empresas, governos e outras instituições: projetaram sua revolta moral na publicidade capitalista e, na política, enfraqueceram o sindicalismo e as demandas do trabalho dentro da esquerda em prol do ambientalismo. A Amazon Watch, com sua estrutura bem-financiada e sua rede de influência, não só movimenta milhões de dólares, como também intervém diretamente em processos políticos em países como o Brasil, influenciando decisões soberanas em prol de seus escolhidos, escolhidos que são representados como nativos puros em contato com a natureza, protetores do mundo, enquanto os diretores da Amazon Watch recebem seus salários para atuar como “mediadores”.
Como os hippies da ditadura imaginária de Jerry Brown, mas também como os setores mais belicosos do Partido Democrata dos Estados Unidos, os ativistas profissionais da Amazon Watch — e seus “parceiros”, epígonos, teleguiados, amigos, aliados, etc… — usam uma suposta superioridade moral, sob a bandeira de causas como "decolonialidade", "luta contra o patriarcado e a supremacia branca", enquanto fortalecem a ingerência e reproduzem a predominância econômica, moral e política dos Estados Unidos sobre países menos ricos, ainda em desenvolvimento.
Conhecendo a música bem-humorada e um pouco sombria dos Dead Kennedys, é difícil não pensar na figura de hippies ricos e pretensiosos que, através de ONGs milionárias, acabam usurpando uma parte significativa do debate público e do processo político representativo no Brasil. Essas organizações, movidas por interesses externos e financiadas por milionárias fundações internacionais, têm a capacidade de influenciar diretamente a formulação de políticas públicas, sem que haja uma prestação de contas clara à sociedade brasileira.
Ao monopolizarem temas sensíveis, como a preservação ambiental e os direitos indígenas, elas enfraquecem o diálogo democrático interno. Essa interferência também compromete a soberania nacional, ao transformar questões que deveriam ser resolvidas no âmbito de nossas instituições em uma agenda guiada por interesses estrangeiros, frequentemente alheios à realidade local. O resultado é a distorção do processo democrático, onde setores inteiros da sociedade são deixados à margem, enquanto ONGs bem-financiadas ocupam o espaço de influência que deveria ser reservado ao debate público legítimo e a vocação de desenvolvimento nacional do Brasil.
Precisamos atentar para a atuação de ONGs estrangeiras e cobrar o máximo de transparência, para que o destino da mineração em terras amazônicas não seja resolvido por profissionais contratados em um escritório de Oakland, na Califórnia.
Redação
Notícias relacionadas
Foto: Anderson Cardoso
@ANDERSON.FOTOGRAFIA