Parafraseando o ditado, uma frase pode valer mais do que mil palavras, mas quanto mais se fala, maior o potencial de revelar as intenções ocultas de quem fala. Quando se trata do Brasil, as declarações recentes de algumas figuras francesas têm deixado transparecer algo profundamente problemático em suas visões sobre as terras brasileiras.
Recentemente, duas figuras francesas de destaque reacenderam debates sobre a soberania brasileira, especialmente no que diz respeito à Amazônia e ao agronegócio. Christiane Taubira, ex-ministra da Justiça da França, e Alexandre Bompard, CEO do Carrefour, emitiram opiniões que, sob a perspectiva brasileira, podem ser interpretadas como expressões de desrespeito a integridade da independência do nosso país.
Christiane Taubira, natural da Guiana Francesa, assumiu em outubro de 2024 a Cátedra José Bonifácio na Universidade de São Paulo (USP), tornando-se a primeira francesa a ocupar essa posição. Sua cidadania francesa, a princípio uma curiosidade inofensiva, ganhou contornos polêmicos após ela proferir declarações que sugerem simpatia pela ideia de uma internacionalização da Amazônia. Em uma entrevista, Taubira afirmou que "o mundo inteiro pode decidir sobre o papel da Amazônia", insinuando que a gestão da floresta não deveria ser uma prerrogativa exclusiva do Brasil. Enfatizamos: a palavra utilizada foi "DECIDIR".
Essa fala revela uma concepção paternalista e potencialmente perigosa, que desafia a soberania brasileira e desconsidera o fato de que a Amazônia, além de um patrimônio natural, é um componente fundamental da identidade e economia nacionais. A ideia de uma "governança internacional" para a floresta, vinda de uma figura política francesa, ressoa como uma nova forma de neocolonialismo verde, mascarada sob o véu de preocupações ambientais.
Por outro lado, em novembro de 2024, Alexandre Bompard, CEO do Carrefour, anunciou que a rede francesa deixará de comercializar carnes provenientes do Brasil, acusando a carne brasileira de não corresponder aos critérios e padrões europeus, o que é uma mentira. A justificativa apresentada também foi o apoio aos agricultores franceses que fazem oposição ao acordo da União Europeia com o Mercosul. Realmente, o Carrefour francês já compra, quase exclusivamente, carne francesa, e o CEO provavelmente entendeu que ali havia uma oportunidade política de elevar o nome da marca, que já é uma espécie campeã nacional na França. O que Bompard falou para ganhar o apoio dos agricultores, porém, também foi um ataque difamatório à pecuária brasileira, desmoralizando nosso produto no mercado internacional e se juntando a um conjunto de ataques protecionistas e ambientalistas contra a nossa agricultura.
As declarações de Taubira e Bompard refletem uma tendência preocupante: a sombra de atores estrangeiros sobre as políticas brasileiras, especialmente no que tange à Amazônia e à agricultura. É imperativo que o Brasil reafirme sua soberania e autonomia na gestão de seus recursos naturais e no estabelecimento de suas políticas econômicas. A colaboração internacional deve ser incentivada, mas apenas quando pautada pelo respeito à independência nacional e pelo reconhecimento das realidades locais.
O Brasil possui um histórico robusto de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável, equilibrando conservação com crescimento econômico. A imposição de normas externas e opiniões estrangeiras sem diálogo ou entendimento mútuo não é apenas um desrespeito, mas um esforço deliberado de dominação. Manter-se firme na defesa dos interesses nacionais não é uma escolha; é uma necessidade para preservar o futuro da nação.
Se por um lado essas duas figuras falaram demais e ofenderam nosso espírito de independência, por outro, fizeram um grande favor ao lembrar-nos de uma verdade fundamental: nossa Amazônia e nossa agricultura são alvos estratégicos na geopolítica global.
Bompard pode ser visto como um representante do protecionismo agrícola francês ou, talvez, como alguém buscando agradar dois setores vocais na Europa: os agricultores, que clamam por barreiras contra a competição estrangeira, e os ambientalistas, que demandam políticas mais restritivas. Taubira, no entanto, é uma intelectual e operadora política experiente. Sua trajetória na esquerda política francesa evoca as fantasias imperialistas alimentadas por progressistas franceses do passado.
No início do século XX, por exemplo, o socialista Jean Jaurès, embora crítico das brutalidades do imperialismo francês, enxergava o colonialismo como uma ferramenta para implementar "ideias progressistas" nas colônias. O Partido Radical-Socialista, então de esquerda, produziu administradores coloniais como Albert Sarraut, que acreditava que povos colonizados deveriam ser moldados à imagem das instituições e pensamentos franceses. Jules Ferry, republicano de esquerda do século XIX, justificava o colonialismo como um dever moral e civilizacional da França, discurso inspirado também por Paul Leroy-Beaulieu, defensor da expansão colonial e do protecionismo agrícola francês.
Hoje, vemos um novo encontro entre protecionismo agrícola e ambientalismo organizado, ambos articulados sob o pretexto de salvar o mundo. Como os socialistas imperialistas da França de outrora, progressistas franceses do presente acreditam estar cumprindo uma missão ao impor suas ideias e instituições, desconsiderando a autonomia das nações afetadas.
A geopolítica segue viva, e suas disputas continuam a definir o futuro. Se não reconhecermos isso com clareza, arriscamo-nos a perder a independência como cidadãos de uma potência agrícola que ainda luta para afirmar sua soberania em um mundo cada vez mais competitivo.
Editorial
Notícias relacionadas
Foto: Anderson Cardoso
@ANDERSON.FOTOGRAFIA