O portal ambientalista Sumaúma tem uma seção chamada de “Diário de Guerra”. Em um dos últimos episódios da tal guerra, conforme registrado pela Sumaúma, lemos que um autoproclamado “tribunal popular” condenou a Ferrogrão.
Não é claro na chamada daquele artigo que o que ocorreu ali não é uma audiência pública, mas uma manifestação política teatral. O Brasil de Fato foi um pouco mais claro no seu título que chamou o evento de tribunal simbólico. O G1 também publicou algo, dizendo que a “Ferrogrão foi ‘sentenciada’ pelo povo índigena em ‘Tribunal Popular’ realizado em Santarém”.
A notícia de fato é que no dia 4 de março uma manifestação envolvendo organizações diversas encenou um julgamento como forma de protesto contra o projeto da Ferrogrão. O evento foi realizado no campus da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOP), em Santarém.
O texto da Sumaúma, assinado por Emílio Sant’Anna, é a reportagem mais longa e dramática sobre a manifestação. Com seu tom repleto de gravidade, informa que o simulacro de tribunal escolheu um réu antes mesmo de formular uma acusação, o que em um tribunal de verdade seria uma afronta à justiça. Em outro momento, descobrimos que o réu, simbolizado por um saco de grãos, sofreu um espancamento antes do tribunal.
Entre os participantes, que alternam nos papeis de juiz, júri e acusação, temos organizações não-governamentais como o Greenpeace, a Amazon Watch e filiados da Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA).
O Greenpeace, fundado no Canadá e com sede em Amsterdã (Países Baixos), é bastante conhecido pela sua agitação propagandística. A Amazon Watch é uma ONG sediada na Califórnia (Estados Unidos) e se diz “comprometida com o avanço dos direitos indígenas”. A COICA é sediada em Lima, no Peru, e seu portal (bem como de seus filiados) é discreto sobre financiamentos, mas consta em um sítio governamental dos Estados Unidos que a agência USAID fornece apoio “institucional” para a organização (incluindo 250 mil dólares no período de agosto de 2022 até agosto de 2024).
A sentença foi pela “extinção imediata da Ferrogrão”.
A Ferrogrão é um projeto de linha férrea (EF-170) de 933 quilômetros de extensão, que conecta a região produtora de grãos do Centro-Oeste com o Porto de Miritituba, no Pará. O projeto, se concretizado, criará um novo corredor estratégico de exportação no Brasil, reduzindo custos e aumentando o escoamento de produtos agrícolas.
No ano de 2021, o projeto foi suspenso por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, provocada por um pedido de liminar protocolado pelo PSOL no Supremo Tribunal Federal. Os estudos sobre o projeto foram retomados em 2023 com a autorização do ministro do STF.
Desde então, existem esforços para a retomada e o início o mais breve possível da construção do projeto, assim como existem aqueles que querem impedir a concretização da linha ferroviária.
O artigo da Sumaúma parece reforçar o campo dos que estão contra a Ferrogrão. Apesar de em algum momento o texto ensaiar um questionamento dos benefícios econômicos do projeto, em certo momento ele muda para a chave de que a agricultura familiar não resistirá à competição da produção de larga escala.
Mas aqui não ocorre um equívoco sobre as questões centrais? Se o problema é o impacto social do crescimento econômico, como é normal ocorrer em momentos de aumento da produtividade, a solução do problema não é precisamente a responsabilidade do Estado em oferecer emprego, programas de apoio e modernização para essas populações?
Essas políticas não são contrárias aos grandes projetos de infraestrutura, pelo contrário, elas podem se beneficiar do desenvolvimento. É o desenvolvimento que amplia os recursos disponíveis para o Estado combater a pobreza e outros problemas sociais.
Se o governo Michel Temer era a favor, se o governo Jair Bolsonaro era a favor e o atual governo também é, a quem interessa obstruir — ou fazer guerra — a construção da Ferrogrão?
A outra objeção levantada pelo artigo é de que o projeto de infraestrutura seria um ímã para a violência e criminalidade. Preocupação legítima, mas aqui o problema não será resolvido paralisando o desenvolvimento e sim com a presença consequente dos órgãos do Estado. Na verdade, o artigo narra problemas que já acontecem como se eles fossem argumentos contra a Ferrogrão.
O texto da Sumaúma diz que as pesquisas relativas à construção foram concluídas “durante o governo extremista de direita de Jair Bolsonaro”. Essa retórica parece sugerir que o projeto da Ferrogrão não é um projeto de infraestrutura que atende às necessidades nacionais, mas apenas um capricho ideológico da extrema direita.
De acordo com matéria da Carta Capital, assinada por Victor Ohana, o ministro dos Transportes do governo Lula, Renan FIlho, “salientou que o governo é a favor da Ferrogrão”, que a construção está na agenda do Programa de Aceleração do Crescimento do atual governo e que “não há impossibilidade ambiental de fazer a obra”.
Se o governo Michel Temer era a favor, se o governo Jair Bolsonaro era a favor e o atual governo também é, a quem interessa obstruir — ou fazer guerra — a construção da Ferrogrão?
A manifestação simbólica talvez seja de fato reveladora sobre a questão da Ferrogrão: se depender de certas ONGs, fazer justiça nesse caso inclui acusações vagas, linchamento público, ausência de direito de defesa e a condenação implacável da infraestrutura brasileira.
Por mais que isso pareça uma questão retórica, cabe voltarmos para o início do texto e nos perguntar sobre o sentido do “diário de guerra”. Toda guerra é travada entre inimigos. Os leitores brasileiros devem interrogar uma proposta de comunicação que se chama de “diário de guerra” enquanto se alimenta de financiamento estrangeiro*.
Na justiça são julgados fatos e sentenças são distribuídas; nas guerras são distribuídos ataques, pois nelas a destruição é um objetivo elementar.
*A Sumaúma consta como titular de um financiamento de 300 mil dólares, válido por dois anos a partir de fevereiro de 2024, no portal da Rockefeller Brothers Fund.
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Foto: Anderson Cardoso
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